71% dos brasileiros nunca foram incentivados a ler, aponta estudo
Uma pesquisa recente revelou um dado preocupante sobre a leitura no Brasil: 71% da população afirmou nunca ter sido incentivada por ninguém a ler. O número faz parte do levantamento Retratos da Leitura no Brasil 2024, que evidencia um aumento significativo em relação aos 66% registrados em 2019, acendendo um alerta sobre a formação de leitores no país.
Mas o que isso significa na prática? Sem estímulos de pais, amigos, professores ou figuras públicas, o hábito da leitura – essencial para o desenvolvimento pessoal e social – perde força. No Brasil, onde apenas 48% da população se declara leitora, a falta de influência positiva pode ser uma das razões para o declínio no consumo de livros e no interesse pela literatura.
Tiago Pissolati, doutor em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina, analista institucional de Língua Portuguesa e Literatura da Rede Lius Agostinianos e professor de Literatura no Colégio Santo Agostinho – Nova Lima, afirma que o dado reflete um problema estrutural de incentivo cultural no Brasil. O professor explica que o ato de ler é frequentemente herdado pelo exemplo. “Leitores não nascem prontos. O hábito é formado pelo convívio com pessoas que valorizam a leitura, que mostram como os livros podem ser transformadores. Quando essa influência está ausente, a leitura perde espaço para outras atividades“, aponta.
Entre essas outras atividades, destaca-se o uso da internet. Segundo a pesquisa, 78% dos brasileiros ocupam o tempo livre navegando online, sendo que 71% dedicam-se a aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram. A leitura de livros, em contrapartida, tornou-se uma prática menos comum, sobretudo entre os jovens, que têm acesso massivo a conteúdos fragmentados e imediatos nas redes sociais.

Uma questão de prioridade
A falta de fomento ao hábito de ler não é apenas uma questão familiar ou escolar; ela reflete a prioridade dada à cultura na sociedade brasileira. O estudo mostra que muitos entrevistados reconhecem a importância de ler, mas não encontram motivação ou tempo para incorporar o hábito em suas rotinas. Isso evidencia uma lacuna que não está sendo preenchida nem pelo ambiente doméstico, nem pelas políticas públicas.
“A leitura não é só uma atividade prazerosa. Ela é uma ferramenta de formação crítica, de exercício da empatia e de compreensão do mundo. Sem estímulo, as pessoas deixam de se conectar com essas possibilidades”, afirma Pissolati. O especialista destaca o papel essencial das escolas nesse cenário, mas alerta: “Sozinhas, as instituições de ensino não conseguem reverter esse quadro. É necessário um esforço conjunto entre famílias, comunidades e o Estado.”

Caminhos para reverter o quadro
Apesar do cenário desafiador, há soluções possíveis. Pissolati acredita que recuperar o “gosto pela leitura” passa por iniciativas que aproximem os livros da vida cotidiana das pessoas. Clubes de leitura, projetos literários nas escolas e eventos que celebram a literatura são caminhos para despertar o interesse e mostrar que os livros podem ser mais atraentes do que aparentam.
Além disso, programas de incentivo que envolvam diretamente as famílias são considerados fundamentais. “Estudos internacionais indicam que crianças que crescem em lares com livros ou que têm pais leitores são mais propensas a desenvolver hábitos de leitura ao longo da vida”, enfatiza o professor.
O especialista ressalta que a falta de estímulo à leitura vai muito além da redução do consumo de livros; ela afeta diretamente a capacidade crítica, a criatividade e o desempenho educacional da população. “Estudos mostram que leitores frequentes têm maior facilidade para interpretar textos, resolver problemas e se comunicar de forma eficaz – habilidades fundamentais no mercado de trabalho e na vida em sociedade.”
No entanto, o Brasil segue na contramão. “Com o aumento do número de brasileiros que nunca foram incentivados a ler, o país corre o risco de formar gerações menos preparadas para lidar com os desafios do mundo contemporâneo”, avalia.
No Colégio Santo Agostinho, Pissolati e sua equipe têm trabalhado para reverter este cenário. Após a pandemia, a escola adotou uma série de estratégias para incentivar a leitura. “Estipulamos que as leituras obrigatórias para os alunos sejam feitas com livros impressos, não aceitamos e-books ou leituras digitais para essas atividades“, conta o professor. Além disso, ele menciona que a escola adota uma abordagem integrada, envolvendo professores de diversas disciplinas na escolha de obras literárias, o que cria um ambiente mais rico para o desenvolvimento do hábito de ler.
Mas Pissolati também aponta que as dificuldades não são exclusivas dos alunos. “Nós, como educadores, também enfrentamos o desafio de manter o hábito da leitura. Vejo muitos colegas e até eu mesmo, que sou professor de Literatura, reconhecendo que não estamos mais lendo como antes. Isso é algo com que precisamos lidar com urgência“, confessa. Pissolati enfatiza que não é tarde para reverter o cenário, mas é preciso agir agora. “Mais do que uma questão cultural, essa é uma responsabilidade coletiva, que envolve escolas, famílias, comunidades e políticas públicas” conclui.