
O afastamento da figura paterna repercute para além das dinâmicas familiares, alcançando dimensões estruturantes da constituição subjetiva. A ruptura ou negligência nesse vínculo interfere diretamente nos processos de identificação, fragiliza marcos simbólicos e compromete as formas como o sujeito se relaciona com a afetividade, a alteridade e as próprias experiências emocionais.
A psicóloga Maria Klien observa que a função exercida pelo pai, seja de modo presencial ou simbólico, opera como elemento estruturador nos processos de desenvolvimento psíquico.
“A função paterna atua como eixo regulador no início da vida psíquica. Quando se verifica a ausência, a descontinuidade ou o descomprometimento afetivo, há um enfraquecimento na transmissão de limites, na inscrição de figuras de autoridade simbólica e na formação de referências que favoreçam a constituição de trajetórias subjetivas consistentes”, afirmou.
Segundo ela, os efeitos dessa ausência tendem a manifestar-se de modo silencioso e contínuo. “Indivíduos que cresceram sem a mediação paterna podem apresentar dificuldades em reconhecer estados internos, sustentar vínculos afetivos ou elaborar frustrações sem recorrer a defesas como o isolamento, o excesso de racionalidade ou reações agressivas. Essas expressões não decorrem de escolhas deliberadas, mas da impossibilidade de acessar modelos confiáveis nos períodos iniciais de constituição psíquica”, analisou.

Maria pontua que, em muitas situações, a carência dessa referência é compensada inconscientemente por construções idealizadas. “Sem um espelho que possibilite um pertencimento simbólico, muitos sujeitos constroem imagens de autossuficiência ou força inabalável. No entanto, por detrás dessas representações, permanece um vazio relacional que impede o contato com o sofrimento. Essa dissociação entre o vivido e o manifestado é recorrente na escuta clínica”, explicou a psicóloga.
Ela esclarece ainda que a ausência paterna não se limita ao distanciamento físico. A presença não implicada, marcada pela indiferença ou pelo desinvestimento emocional, pode produzir os mesmos efeitos de abandono.
“Há pais que permaneceram nos ambientes familiares, mas nunca se vincularam verdadeiramente. A criança capta a ausência de reconhecimento e a recusa da escuta, introjetando a ideia de não ser digna de cuidado. Essa inscrição se perpetua, sobretudo nas relações afetivas da vida adulta”, observou Klien.
No contexto clínico, Maria sustenta que o trabalho com quem atravessou essas experiências requer um percurso de elaboração simbólica. “Muitas vezes, é necessário autorizar o lamento pelo que não foi vivido. A falta não se reverte, mas pode ser significada. A partir dessa elaboração, abre-se a possibilidade de construir uma existência que não se apoie em performances, mas em modos mais íntegros de estar no mundo”, afirmou a psicóloga.
Ela acrescenta que reconhecer esses efeitos não equivale à atribuição de culpa, mas à possibilidade de compreender os enredos inconscientes que moldam a história de cada sujeito. “A escuta não busca apontar responsabilidades individuais, mas oferecer recursos para simbolizar experiências que, por muito tempo, permaneceram silenciadas”, ressaltou.
Por fim, Maria considera que o reconhecimento do que foi interditado inaugura outros modos de vida. “Somente ao identificar aquilo que nos foi retirado é possível interromper dinâmicas repetitivas e construir formas de vínculo mais conscientes, menos defensivas e mais abertas à experiência”, concluiu.
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