Sabe aquele sol que o motorista pega todos os dias enquanto dirige? Ou a ida rápida à padaria sem nenhuma proteção solar? E o trajeto até o ponto de ônibus no início da tarde, ou aquela caminhada de cinco minutos para buscar as crianças na escola? Esses momentos triviais — quase sempre ignorados pela população — compõem o tipo de exposição ao sol que mais preocupa especialistas no Dezembro Laranja. Segundo as oncologistas Mariana Cunha e Graziella Piló, são justamente essas pequenas somas de radiação, repetidas ao longo de anos, que se tornam decisivas para o desenvolvimento do câncer de pele, hoje o tumor mais incidente do país. O Brasil registra mais de 220 mil casos anuais de câncer de pele não melanoma e cerca de 9 mil diagnósticos de melanoma, de acordo com estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA).
Mariana Cunha destaca que o dano solar mais perigoso não se limita aos episódios intensos de verão, mas ao conjunto de fatores acumulados ao longo da vida — e que pouco aparecem nas campanhas tradicionais. Entre eles estão o sol cotidiano, o envelhecimento da pele, o uso inadequado de protetor ao longo do ano, a baixa percepção de risco em pessoas de pele morena, a falta de monitoramento de pintas existentes, e o costume de tratar queimaduras leves e manchas com banalidade, atraso que muitas vezes encobre tumores iniciais. “O câncer de pele é resultado de anos de pequenas negligências. Não é só o sol forte da praia; é a vida real, dia após dia”, afirma.

Para Graziella Piló, outro ponto subestimado é o impacto ocupacional. Trabalhadores rurais, motoristas, profissionais da construção civil e feirantes estão entre os grupos mais vulneráveis. “Essas pessoas passam anos expostas sem proteção adequada e frequentemente chegam ao consultório com lesões já avançadas. Não é só sobre protetor solar: é sobre acesso, hábito e consciência. A prevenção precisa ser tratada como cuidado cotidiano, não como algo sazonal”, explica. A médica também chama atenção para a busca tardia por atendimento, especialmente em regiões com pouco acesso a dermatologistas e especialistas em oncologia cutânea.
As especialistas ressaltam que a combinação entre envelhecimento populacional, exposição cumulativa e baixa percepção de risco contribui para a crescente incidência dos tumores cutâneos. Elas destacam que a prevenção deve ir além do verão: envolve exames regulares, observação de pintas, educação contínua, uso diário de proteção e mudança cultural na relação com o sol. Segundo Cunha e Piló, a detecção precoce supera 90% de chance de cura quando o diagnóstico ocorre no início. As duas defendem que ampliar essa compreensão é fundamental para reduzir a incidência e evitar mortes inteiramente evitáveis.
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