Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) discutiu, no Tema Repetitivo n.º 1.261, a possibilidade da penhora de bem de família – imóvel onde reside uma família – oferecido em hipoteca – garantia muitas vezes requerida para se contrair um empréstimo. Sendo que o tema revela uma tensão existente a muitos anos acerca do direito fundamental à moradia e a necessidade de segurança jurídica nas relações envolvendo operações creditícias.
A Lei 8.009/90, que regula acerca da impenhorabilidade dos bens de família, confere proteção ampla ao imóvel residencial da família – família neste caso em sentido amplo, mas essa proteção não é absoluta. A exceção do art. 3º, V — que permite a penhora do bem quando dado em hipoteca — não pode ser aplicada automaticamente. O STJ acertou ao afirmar que essa exceção só vale quando a dívida efetivamente beneficia a entidade familiar. Trata-se de interpretação restritiva, coerente com a natureza da norma, voltada à preservação do mínimo existencial.
O Tribunal também introduziu uma distinção importante sobre o ônus da prova. Quando apenas um dos cônjuges é sócio da empresa devedora, a presunção é de impenhorabilidade, cabendo ao credor comprovar que o empréstimo serviu à família. Já quando o casal é sócio único da empresa, presume-se o benefício familiar, e a penhora é possível, salvo demonstração em contrário. Essa diferenciação reflete a realidade das empresas familiares, muitas vezes responsáveis pelo sustento do próprio lar.
Outro ponto de extrema relevância é o reforço da boa-fé objetiva – princípio jurídico fundamental que exige conduta de honestidade. Quem oferece seu imóvel espontaneamente como garantia não pode, posteriormente, alegar impenhorabilidade sem motivo legítimo. O combate ao comportamento contraditório é essencial para a previsibilidade do mercado de crédito.
Em síntese, o STJ buscou um equilíbrio necessário: protege a moradia sem permitir que a garantia hipotecária se torne irrelevante. Embora haja casos em que essa presunção possa pesar contra famílias em situação econômica delicada, a decisão privilegia a coerência do sistema e evita abusos. É um passo importante para harmonizar responsabilidade patrimonial e dignidade familiar.

João Pedro Gonçalves, advogado do escritório Suzana Cremasco Advocacia, atuante na área de contencioso estratégico, arbitragem e direito insolvencial, mestrando em Direito Processual Civil e bacharel em Direito pela UFMG, co-coordenador do Comitê de Mediação e Arbitragem do CESA Minas Gerais


