
O Cerrado brasileiro é um dos biomas mais ricos em biodiversidade do mundo, mas ainda é pouco explorado quando o assunto é paisagismo urbano ou projetos de restauração ecológica. Enquanto espécies exóticas continuam dominando praças, avenidas e jardins, plantas nativas que combinam beleza e resistência seguem à margem do planejamento paisagístico.
Para Eder Marcos da Silva, engenheiro florestal, doutor em Botânica Aplicada e professor do curso de Agronomia da Una, é hora de mudar esse cenário. “Temos no Cerrado uma infinidade de espécies com potencial ornamental, que aliam beleza estética, valor ecológico e identidade regional. No entanto, muitas delas ainda são ignoradas por falta de conhecimento técnico ou por uma ideia equivocada de que o que vem de fora é mais bonito ou sofisticado”, afirma.
Entre as árvores mais conhecidas estão os ipês — amarelo, roxo e branco —, reconhecidos pela floração vibrante e presença marcante em espaços públicos. Mas há muito mais. Espécies da família Vochysiaceae e uma ampla variedade de gramíneas, arbustos e herbáceas também merecem atenção. “Durante uma visita ao Parque Nacional das Emas, fiquei impressionado com a diversidade de capins nativos. Muitos deles são mais interessantes que o capim-do-Texas, tão usado por aqui. É uma beleza que é nossa, mas que ainda não aprendemos a valorizar”, ressalta Silva.
Mudança de olhar no paisagismo
Para Silva, incluir plantas nativas em projetos paisagísticos é uma escolha consciente que une estética e sustentabilidade. “Valorizar o Cerrado no paisagismo urbano é não apenas uma escolha estética e funcional. Essas espécies são adaptadas ao nosso solo, ao nosso clima e exigem menos manutenção. Além disso, fortalecem a biodiversidade ao atrair fauna local e resistem melhor às mudanças climáticas, como ondas de calor e estiagens prolongadas”.
Apesar das vantagens, essas espécies enfrentam ameaças significativas. “O avanço da fronteira agrícola com desmatamento de remanescentes para a prática da agropecuária e a urbanização desordenada reduzem drasticamente seus habitats, enquanto as queimadas cada vez mais frequentes e intensas comprometem toda a dinâmica natural dos ecossistemas. O fogo descontrolado, por exemplo, impacta diretamente espécies que não têm adaptações específicas a incêndios, prejudicando sua regeneração e sobrevivência”, alerta.
A extinção ou redução de espécies vegetais do Cerrado impacta profundamente o meio ambiente, o paisagismo urbano e a restauração ecológica. O professor explica que “o Cerrado é um hotspot de biodiversidade, com alto grau de endemismo. Muitas espécies ocorrem exclusivamente nessa região. Essa perda compromete funções ecológicas essenciais, como a proteção do solo, a recarga hídrica e o equilíbrio das cadeias alimentares”.
“No contexto urbano, a ausência dessas plantas reduz a resiliência das cidades ao clima local, empobrece a paisagem e limita os serviços ambientais prestados pela vegetação. Já na restauração ecológica, a escassez de espécies nativas adaptadas dificulta a recuperação de áreas degradadas, favorecendo soluções menos eficientes e ecologicamente frágeis, como o uso de espécies exóticas ou generalistas. Preservar as espécies endêmicas do Cerrado, portanto, é vital para manter sua biodiversidade única e garantir sustentabilidade ecológica e urbana”, defende Silva.
Ações concretas e valorização regional
Algumas iniciativas têm buscado reverter esse cenário. A Rede de Sementes do Cerrado (RSC), por exemplo, atua há mais de duas décadas na coleta, conservação e distribuição de sementes nativas, envolvendo comunidades locais e apoiando projetos de recuperação ambiental.
Para ampliar o uso dessas espécies, o professor defende uma atuação conjunta de paisagistas, arquitetos, agricultores, universidades e gestores públicos. “É preciso priorizar essas plantas nos projetos, criar viveiros especializados, apoiar bancos de sementes e investir em pesquisas sobre propagação, manejo e produção de mudas. Só assim conseguiremos romper com a lógica importada e construir uma paisagem urbana e rural mais conectada com nossa identidade e com os desafios ambientais do presente”, finaliza.