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Endometriose: como a inteligência artificial e a inovação tecnológica podem transformar a vida de 8 milhões de brasileiras

Tempo de leitura: 4 min

em 08/04/2025

Endometriose: como a inteligência artificial e a inovação tecnológica podem transformar a vida de 8 milhões de brasileiras

A endometriose é uma doença inflamatória benigna que afeta cerca de 8 milhões de brasileiras  que, infelizmente, percorrem um longo caminho desde o início dos sintomas até o diagnóstico definitivo e acesso ao tratamento. A doença se caracteriza pela presença de tecido menstrual (endométrio) fora do útero, podendo atingir os órgãos reprodutivos, mas também intestino, bexiga e até os pulmões. As manifestações clínicas incluem cólicas menstruais,  dor durante as relações sexuais e ao evacuar e urinar. Em geral, os sintomas surgem ou pioram durante o período menstrual, mas manifestações atípicas não são raras. A infertilidade é outro ponto doloroso da doença que pode ser responsável por 40 a 50% dos casos de infertilidade. 

Infelizmente, os tratamentos disponíveis até o momento apenas aliviam a dor, mas não são curativos e devem ser mantidos por longos anos. Dessa forma, a individualização é fundamental e deve levar em consideração a idade da mulher, os sintomas envolvidos, a presença de infertilidade e o desejo de engravidar assim como o estadiamento da doença. 

O diagnóstico e o tratamento da endometriose ainda representam desafios aos médicos, visto que os sintomas muitas vezes são inespecíficos e não há bons testes clínico-laboratoriais para diagnosticar a doença, com precisão. Por isso, há um atraso importante no diagnóstico da doença, de em média de 8,5 anos (cerca de 7 anos no Brasil) do início das manifestações clínicas. Tal demora se explica pela apresentação clínica heterogênea da doença, a necessidade de exames diagnósticos realizados por médicos especializados nem sempre disponíveis principalmente na rede pública e um fenômeno denominado “normalização da dor”. 

Estudos revelam uma realidade que não é exclusiva do Brasil: 61% das mulheres com endometriose escutaram de um médico, inclusive de seus ginecologistas, que “não havia nada de errado” e que a dor seria “normal” e muitas (47%) passaram por cinco ou mais médicos até obter o diagnóstico e/ou tratamento adequados.  A jornada de uma mulher com endometriose envolve a peregrinação por consultórios e realização de inúmeros tratamentos, inclusive cirurgias, muitas vezes sem conseguir o alívio da dor ou a tão sonhada gravidez, apesar de receber tratamentos adequados.

Neste contexto, o desenvolvimento de novas tecnologias com poderosos métodos de análise de dados pode representar uma esperança para milhares de mulheres que enfrentam a endometriose em todo o mundo. A inteligência artificial (IA) vem sendo usada nas pesquisas médicas de várias formas, desde o desenvolvimento de novas drogas, a análise de imagens obtidas por diversos métodos e até apoiando a descoberta de alterações genéticas associadas a várias doenças. 

Embora a IA  seja capaz de identificar novos padrões em dados e analisar grandes conjuntos de dados, sua eficácia depende da qualidade e quantidade dos dados e da experiência daqueles que implementam os algoritmos. As aplicações atuais da IA na endometriose incluem a análise de imagens obtidas pela ultrassonografia à identificação da melhor abordagem terapêutica, e na análise de resposta aos tratamentos, assim como na avaliação de técnicas cirúrgicas como a robótica. Tais tecnologias são promissoras, pois podem ajudar no diagnóstico da doença e reduzir o atraso diagnóstico atual, assim como os custos do sistema de saúde ao identificar a melhor opção de tratamento para cada mulher e até ajudar no treinamento de profissionais de saúde e cirurgiões. 

É fato que a IA tem um potencial significativo no avanço do diagnóstico e tratamento da endometriose, mas deve ser aplicada com cuidado e transparência para evitar equívocos e assegurar a precisão diagnóstica e terapêutica.

Além da IA, espera-se que o trabalho conjunto de pesquisadores, engenheiros, médicos e equipes multidisciplinares com a aplicação de novas tecnologias sejam capazes de desvendar aspectos da etiologia da endometriose que permitirão o desenvolvimento de marcadores para identificar precocemente a doença assim como estabelecer terapias médicas individualizadas capazes de tratar a dor e/ou a infertilidade e até prevenir a doença. 

A junção de novas tecnologias já começa a produzir resultados alentadores. Recentemente, foi liberado na França um teste diagnóstico para endometriose através da saliva que utiliza tanto IA quanto modernas técnicas de sequenciamento genético para identificar biomarcadores da doença. Embora os resultados iniciais sejam promissores, é preciso ampliar o uso e validar o teste em diferentes populações. A adoção de novas tecnologias poderá ainda democratizar o acesso às complexas cirurgias, muitas vezes necessárias para tratar a doença, assim como treinar adequadamente médicos, cirurgiões e demais profissionais de saúde na abordagem da endometriose, ampliando o acesso às equipes multidisciplinares ainda escassas em nosso país. 

Os números da endometriose são tragicamente impressionantes em termos dos custos tanto no sistema público como no privado de saúde, assim como o comprometimento da qualidade de vida dessas mulheres e suas famílias. Estamos, sem sombra de dúvidas, diante de um problema de saúde pública e, enquanto esperamos o avanço nas pesquisas e a estruturação de equipes capazes de diagnosticar e tratar a doença,  há muito que nós médicos podemos fazer por essas mulheres. Acreditar na dor e acolher os sintomas, dúvidas e medos assim como individualizar o tratamento focando na melhora da qualidade de vida da mulher são passos iniciais fundamentais. No caso da endometriose, o princípio hipocrático “Curar quando possível; aliviar quando necessário; consolar sempre” é inegociável.

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Dra. Márcia Mendonça Carneiro
Diretora científica Clínica ORIGEN
Professora Titular – Departamento de Ginecologia Faculdade de Medicina – UFMG

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