Encenada pela primeira vez em 2022, “Trilhas, Noite Cheia de Lua de Sol” segue em turnê de circulação nacional, que inclui apresentações em Ceilândia(DF), Vitória(ES), Belo Horizonte(MG), São Paulo(SP) e Brasília(DF). Com texto, direção e atuação de Cláudia Andrade, o espetáculo cênico imagético é atravessado por elementos como a videoarte, música, dramaturgia contemporânea e as artes visuais. Na construção desse universo, cruzam-se os dilemas do feminino, a maturidade, os jogos de poder, a finitude e os contrastes sociais que moldam e desafiam a existência humana. Sob os holofotes estão os preconceitos arraigados em uma sociedade hipócrita e desigual, bem como o convite à libertação e redenção a partir do reconhecimento do outro em si mesmo. A turnê, com 12 apresentações, integra o projeto “Resistência nos Trilhos – Remontagem e Circulação”, contemplado pelo Fundo de Apoio à Cultura da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (FAC-DF). Na capital mineira, as apresentações serão nos dias 27 e 28 de novembro, às 20h, no Teatro João Ceschiatti, que fica no Palácio das Artes.
O texto nasceu em 2017, durante a oficina Caminhos, ministrada pelo dramaturgo Maurício Arruda. Após uma avaliação entusiasmada, Arruda incentivou Cláudia a levar a ideia para os palcos. Unindo suas habilidades no audiovisual e nas artes cênicas, ela concebeu uma montagem híbrida e a submeteu à consultoria do professor, diretor e dramaturgo Fernando Villar. “Cláudia Andrade é uma guerreira das artes há décadas, em diferentes continentes e linguagens artísticas. Muita experiência como dançarina, atriz e produtora ímpar de teatro, dança, audiovisual e eventos. Agora, em Trilhas, ela alcança voo maior como artista da cena, escrevendo, co protagonizando, dirigindo e produzindo uma intermídia cênica que, de forma singular e singela, provoca outras reflexões e percepções sobre ‘mulheridades’ em nossa desumana contemporaneidade”. Já a análise técnica e preparação de elenco coube ao mestre Humberto Pedrancini. A esta construção, soma-se, na montagem atual, a colaboração, na direção, do professor e diretor de teatro João Antônio, que traz toda sua vivência de mais de 60 anos dedicada ao teatro brasileiro.
A exemplo do que aconteceu na estreia, esta nova jornada de “Trilhas” busca a conexão com a plateia. “Risos, pessoas cantando juntas, choros contidos, a procura por abraços e fotos ao final dos espetáculos e os depoimentos mais emocionantes do mundo. Essa reação foi o combustível que deu vontade de pôr o pé na estrada de novo e levar essa experiência para outros públicos. Provocar emoções, questionamentos e transformações é o que move qualquer artista”, afirma Cláudia.
No tablado desta remontagem, Cláudia segue com as companheiras de cena Eloisa Cunha e Genice Barego, atrizes também 50+ com uma vasta trajetória teatral. Essa continuidade cria um entrosamento raro, fruto de uma evolução conjunta, em que cada atriz foi aprofundando sua personagem e sua relação com as demais. O resultado é um espetáculo mais maduro, com camadas de interpretação que se refinaram ao longo do tempo e que prometem se refletir em ainda mais qualidade artística nas apresentações.
Referências que atravessam tempos e linguagens
Guiada por sua vivência multifacetada, Cláudia reúne referências que vão da sabedoria ancestral às linguagens contemporâneas. Um exemplo disso é a fala inicial projetada no início do espetáculo. Originária da língua Hopi, do povo indígena norte-americano, essa mensagem, que primeiro tocou a diretora ao ser revelada nas telas do filme Koyaanisqatsi, de Godfrey Reggio, agora é reinventada no palco. “Vida maluca, vida em turbilhão, vida fora de equilíbrio, vida que pede uma outra maneira de se viver” norteia o espírito da peça em sua proposta de refletir sobre os caminhos que cada um escolhe percorrer.
A trama discorre a partir do encontro entre duas mulheres com mais de 50 anos: Silvia (Eloisa Cunha) e Gimena (Cláudia Andrade). De origens e vivências distintas, elas se cruzam ao acaso numa parada de ônibus, em alguma estrada erma do interior do Brasil. Iniciam, então, uma jornada marcada por embates, estranhamentos, memórias, afetos, contrastes sociais, revelações e mitos. As personagens são acompanhadas por Gaivota (Genice Barego), figura diáfana, agênera, atemporal e mística que transita pela cena como símbolo de conexão, intuição e mistério. O espetáculo reafirma seu compromisso com a diversidade de olhares, vozes e linguagens ao alcançar novos públicos em sua circulação por diferentes regiões do país.
Além das atrizes, Trilhas conta com o talento de Aníbal Alexandre, que assina a videoarte e o videomapping; Lemar Rezende, responsável pelo design de luz e coordenação técnica; Lipe Duque, que cuida da captação de imagens para a videoarte; e Mateus Ferrari, na composição e produção musical. No elenco de apoio, em cenas apresentadas em projeção de vídeo, estão Carlos Góes, Demetrius Christophidys, Guilherme Angelim e ainda a participação especial das atrizes Wol Nunes e Áurea Liz.
Acessibilidade e inclusão como missão
Trilhas é um convite à empatia. Cláudia leva para o palco sua compreensão sobre a vida, defendendo que, independentemente do tamanho da conta bancária, da origem ou do status educacional e profissional, todos compartilham dores, sonhos e desafios comuns. Entre esses desafios, estão, de forma evidente, as lutas e limitações enfrentadas pelas mulheres em uma sociedade ainda marcada pelo patriarcado. “Mais do que uma obra a ser analisada, Trilhas é uma experiência a ser vivida: um espetáculo que quer tocar o público, chegar ao coração, proporcionando um momento de lazer e emoção”, explica Cláudia.
Importante reforçar o compromisso de Trilhas em levar cultura a quem normalmente não tem acesso. Para isso, o projeto investe em ações de acessibilidade, oferecendo sessões com intérpretes de Libras e audiodescrição para pessoas com deficiência visual, em dias específicos da programação, para garantir uma experiência completa para pessoas com deficiência auditiva e visual. Além disso, contempla ações sociais, como transporte e cortesias para turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e grupos de pessoas com deficiência visual, permitindo a esses públicos vivenciar a experiência teatral de forma plena e acolhedora.
O projeto prevê ações formativas que ampliam seu alcance artístico e educacional, como rodas de conversa com o público após as apresentações, criando espaços de troca e diálogo, além de duas oficinas de interpretação– sendo uma delas com audiodescrição– e um debate nacional virtual com o tema “O Desafio da Circulação Teatral Nacional no Brasil”.