
A doação de sangue é um ato fundamental para salvar vidas e garantir a continuidade de muitos tratamentos médicos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 120 milhões de bolsas de sangue são doadas anualmente no mundo, mas a demanda continua alta. No Brasil, o Ministério da Saúde estima que apenas 1,6% da população é doadora regular, enquanto a OMS recomenda que esse índice seja de pelo menos 3% para garantir estoques suficientes para situações de emergência.

Este mês celebra-se o Junho Vermelho, uma campanha nacional que busca reforçar a importância da doação de sangue, especialmente nos meses de inverno, quando historicamente os estoques caem devido ao aumento de doenças respiratórias e à redução das doações. Além disso, no dia 14 de junho é comemorado o Dia Mundial do Doador de Sangue.
Nesse contexto médico Breno Lacerda, hematologista e hemoterapeuta do Mário Palmério Hospital Universitário (MPHU), hospital de ensino da Uniube, traz explicações importantes para entender como a doação de sangue impacta pacientes, quais são as principais necessidades dos hospitais e os desafios da medicina nesse campo. Confira:
Qual é a importância da campanha Junho Vermelho para os hospitais e pacientes que dependem de transfusões de sangue?
O Junho Vermelho é essencial para estimular a conscientização sobre a doação de sangue, especialmente nos meses mais frios do ano, quando historicamente os estoques dos bancos de sangue caem. Para os pacientes, significa ter acesso a um componente que pode ser a diferença entre a vida e a morte.
Quais são as principais doenças e condições que mais necessitam de transfusões regulares de sangue?
As transfusões são fundamentais para pacientes com doenças hematológicas crônicas, como anemias hereditárias (ex: talassemia, anemia falciforme), cânceres hematológicos (leucemias, linfomas, mieloma), pacientes oncológicos em quimioterapia que frequentemente precisam de plaquetas e hemácias, pessoas com insuficiências medulares, como na aplasia ou MDS, vítimas de traumas graves e pacientes no pós-operatório complicado com sangramentos. Além disso, gestantes com hemorragias obstétricas também estão entre os grupos que mais dependem desse recurso.
O que é considerado um “sangue raro” e por que ele é tão importante para os bancos de sangue?
Um sangue é considerado raro quando possui características muito difíceis de encontrar na população. Isso não se limita ao tipo ABO (como A, B, O ou AB), mas envolve mais de 30 outros sistemas de classificação que definem a presença de diferentes antígenos.
Por exemplo, se uma pessoa não possui um antígeno específico que a maioria da população possui, ela pode reagir mal ao receber sangue comum, tornando essencial encontrar um doador com as mesmas características. Pacientes com doenças hematológicas que precisam de transfusões frequentes, como aqueles com anemia falciforme ou talassemia, estão entre os que mais dependem desse tipo de sangue.
No Brasil, existe o Banco de Sangue Raro, que se dedica a identificar e conectar esses doadores com pacientes que precisam desse tipo específico de transfusão, garantindo que eles recebam o tratamento adequado.
Como a doação de sangue pode impactar a recuperação de pacientes com doenças crônicas ou que passaram por acidentes graves?
A transfusão de sangue, nesses casos, restaura o volume e a capacidade de transporte de oxigênio, corrige sangramentos e estabiliza o paciente. Em doenças crônicas, como leucemias e anemias hereditárias, a transfusão permite que o paciente mantenha qualidade de vida, energia e sobrevida até que outras terapias tenham efeito. Em acidentes graves, salva vidas imediatamente.
Quais avanços a medicina tem feito para otimizar o uso do sangue doado e reduzir desperdícios nos hospitais?
Hoje, usamos práticas como a transfusão restritiva, com critérios bem definidos para transfundir apenas quando necessário, gestão ativa de estoques com softwares que monitoram validade e demanda, capacitação de equipes médicas para uso racional do sangue e protocolos de Patient Blood Management (PBM), que visam evitar sangramentos e reduzir o uso desnecessário de hemocomponentes.
Quais tecnologias ou técnicas médicas estão sendo desenvolvidas para criar substitutos do sangue humano para situações de emergência?
Estudos vêm sendo feitos com hemoglobinas sintéticas, que imitam a função de transporte de oxigênio, sangue artificial a partir de células-tronco, ainda em fase experimental, e expansores de volume como cristaloides e coloides, que não substituem o sangue, mas ajudam na estabilização inicial em emergências. No entanto, até hoje, nada foi capaz de substituir completamente o sangue humano, pois as hemácias humanas são estruturas complexas e dificilmente replicadas por alternativas sintéticas.
Existem grupos sanguíneos que são mais críticos para os bancos de sangue?
Sim. Os grupos mais críticos incluem o O negativo (O-), conhecido como doador universal para hemácias, o RH negativo em geral (A-, B-, AB-), que são menos comuns na população e, por isso, mantêm estoques mais baixos, e o AB positivo (AB+), que é o receptor universal de plasma.
Quais são os principais mitos que ainda afastam as pessoas da doação de sangue e como eles podem ser esclarecidos?
Alguns dos mitos mais comuns incluem:
“Doar sangue engorda ou emagrece” – falso, a doação não altera o metabolismo.
“Vou me contaminar com doenças” – impossível, o material usado na coleta é 100% estéril e descartável.
“Tenho tatuagem, então não posso doar nunca” – falso, pode doar após 6 a 12 meses, dependendo do caso.
“Tenho pressão alta ou tomo medicação” – muitos hipertensos controlados podem doar normalmente.
“Sou LGBTQIA+ e não posso doar” – falso, a doação de sangue não depende da orientação sexual, mas sim de outros critérios de saúde.
Quais os principais critérios para que uma pessoa esteja apta a doar sangue e quais fatores podem temporariamente impedir a doação?
Os critérios principais incluem ter entre 16 e 69 anos (menores com autorização), pesar mais de 50 kg, estar em boas condições de saúde e estar alimentado e descansado. Impedimentos temporários comuns incluem febre, infecções recentes, procedimentos invasivos (como tatuagens, piercings) há menos de 6 a 12 meses, gravidez ou amamentação recente e uso de certos medicamentos ou vacinas.
Qual o maior impacto que a doação de sangue tem na vida de um paciente?
Uma única doação pode salvar até 4 vidas ao ser fracionada em hemácias, plaquetas, plasma e crioprecipitado. Para o paciente, representa uma nova chance de viver, um alívio da dor, ou mesmo a possibilidade de realizar um transplante ou continuar o tratamento com dignidade e segurança.
Além das campanhas como o Junho Vermelho, o que mais pode ser feito para aumentar a conscientização e adesão à doação de sangue ao longo do ano?
Educação nas escolas e universidades, parcerias com empresas para campanhas internas, eventos itinerantes com coleta externa e programas de fidelização para doadores frequentes são algumas das estratégias que podem fortalecer a cultura da doação no Brasil.