Mesmo em um contexto mediado pelas tecnologias, o treino da escrita à mão ainda traz uma série de benefícios para o desenvolvimento e o aprendizado das crianças
Uma lei sancionada este ano na Califórnia tem suscitado reflexões para educadores e pais. O Estado é um dos 22 estadunidenses a reintroduzir nas escolas o ensino da caligrafia cursiva para alunos de 6 a 12 anos. A iniciativa tem ganhado forte apoio.
Em uma era dominada por computadores, notebooks, celulares e tablets, a escrita à mão tornou-se uma raridade entre crianças e jovens. E é exatamente este um dos pontos justificados pela lei. A habilidade de escrever de forma cursiva tem papel fundamental no desenvolvimento cognitivo infantil, estimulando diversas áreas cerebrais essenciais para a comunicação.
Enquanto nos Estados Unidos a iniciativa ganha força, no Brasil, como se dá essa prática educacional? A discussão sobre a relevância do ensino da caligrafia cursiva também ecoa em terras brasileiras, levantando questões sobre os benefícios dessa habilidade para o aprendizado e o desenvolvimento das crianças.
Análise
A professora Jansley Silva, coordenadora pedagógica do Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte, explica como funciona, na prática, a introdução do processo de aprendizagem da letra cursiva. A coordenadora explica que para compreender melhor o processo da letra cursiva, primeiro, é essencial que entendamos a importância dela para a vida da criança.
Essa importância se deve ao desenvolvimento do foco visual, da memória, da organização espacial, da atenção mental, da coordenação motora fina, do planejamento motor que a criança precisa fazer para escrever? Então, há todo um processo que se realiza para desenvolver a letra cursiva.
Para iniciar o processo de assimilação da leitura cursiva, é importante primeiro realizar uma avaliação diagnóstica no início do ano (1° Ano do Ensino Fundamental, Anos Iniciais) para entender quais são os níveis de desenvolvimento da alfabetização de cada aluno para que ele não seja meramente copista. Diante disso, aqueles alunos que estão com desafios apontados na avaliação diagnóstica, fazemos uma oficina de alfabetização para haver um nivelamento da turma.
É importante que, mesmo que o aluno apresente uma ansiedade e um desejo maior de aprender a letra cursiva no primeiro semestre, é necessário que a família aguarde o acompanhamento do professor para que esse aluno não aprenda o traçado da letra errado. Afinal, é importante ressaltar que na letra cursiva há um estilo.
A partir das análises iniciais e do nivelamento, a professora prepara os alunos com atividades gradativas para se chegar ao desenho final da letra cursiva. Por exemplo, é realizada uma festa de abertura do processo da letra cursiva; os alunos começam a escrever com giz no chão para entenderem como iniciar o traçado da letra; depois, eles foram o desenho das letras escrevendo com os dedos em bacias com farinha de trigo, tudo isso para conseguirem assimilar o processo.
A partir daí, os alunos passam a utilizar uma apostila para desenhar as letras e depois constituindo letras minúsculas, depois letras maiúsculas até chegar à escrita de texto. É importante ressaltar que, nessa apostila, os alunos realizam o aprendizado de uma letra nova todos os dias, depois passam a constituir palavras e gradativamente frases, até que chegue ao final do segundo semestre com a consolidação do processo de aprendizagem da letra cursiva.
A relevância maior está na integração da família e da escola nesse processo. A escola com o professor ali ao lado, ensinando o delineado correto. Já a família, em casa, está fazendo treinamento com o dever de casa. Todos auxiliando para que esse aluno não tenha um sentimento de desânimo no processo porque se exige um foco intencional [1] para o desenvolvimento dessas letras.
E, em função de todo esse acompanhamento, os alunos acabam assimilando o traçado da letra cursiva como rotina dia a dia das atividades e com o uso do caderno. Vale ressaltar que esse caderno precisa ser aquele especial com 3 linhas para que o aluno consiga entender que precisa utilizar a primeira linha em casos de letra maiúscula e números. E utilizar a linha número 3 para descer as perninhas do “g”, do “j”, do “q”, do “f”, então o caderno também precisa ser um instrumento que possa auxiliá-lo.
A partir daí as letras se tornam grandes e gradativamente o formato da letra vai melhorando, vai ficando mais arredondado, e a escola pode auxiliar o aluno a diminuir o tamanho dessa letra conforme as séries mais avançadas.
Alguns dados interessantes que tratam sobre letras cursivas em diversos aspectos:
- No Brasil, a indicação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) é para que no 1.º ano do ensino fundamental as crianças aprendam a “conhecer, diferenciar e relacionar letras em formato imprensa e cursiva, maiúsculas e minúsculas”, para que no ano seguinte possam “escrever palavras, frases, textos curtos nas formas imprensa e cursiva”.
- Em 2021 a Unesco anunciou 9 novos patrimônios culturais imateriais da humanidade. Entre elas, a Caligrafia árabe. A escrita manual do alfabeto árabe é uma prática artística que busca transmitir “harmonia, graça e beleza”, conforme o site da Unesco. São usadas 28 letras, escritas de forma cursiva, da direita para a esquerda. “A fluidez da escrita árabe oferece possibilidades infinitas, até mesmo numa única palavra, pois as letras podem ser esticadas e transformadas de várias maneiras para evocar diferentes temas.”
- Também em 2021, um estudo publicado na revista Nature mostrou o impacto da caligrafia no cérebro. O trabalho teve como objetivo criar alguma ferramenta que auxiliasse na restauração da comunicação de pessoas que não conseguiam falar ou se mover. Então, os cientistas desenvolveram um aparelho que, a partir de uma interface cérebro-computador, conseguia decodificar a atividade mental correspondente à tentativa de escrever. “E na hora de construir essa decodificação, de fazer o computador entender a atividade mental, ficou evidente a importância da caligrafia cursiva.
- A vantagem da letra cursiva, para professores especialistas em grafologia, por exemplo, pelo desenhar e interligar das letras, expressa nossa emoção, é nossa marca pessoal, demonstra comprometimento e afetividade, enquanto a letra de forma não nos difere das outras pessoas, é prática, mas fria e sem personalidade.
- A neurociência sustenta que a escrita cursiva, por exigir maior esforço de integração entre áreas simbólicas e motoras do cérebro, é mais eficiente do que a letra de forma para ajudar a criança a adquirir fluência e escrever “em tempo real”. Ademais, a técnica estimula o cérebro, aumentando o número de sinapses e, consequentemente, sua capacidade.
Informações: Paula Granja Comunicação
Fonte: Colégio Arnaldo. Jansley Silva é coordenadora pedagógica no Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte. Possui MBA em Gestão Estratégicas de Escola; MBA em Gestão Estratégicas de Escola, Pós-Graduação em Psicologia da Educação.
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