
A recente decisão da Justiça do Trabalho que condenou a BRF Global ao pagamento de R$ 150 mil em indenização por danos morais a uma funcionária grávida que perdeu seus filhos gêmeos no local de trabalho reacendeu um debate urgente: os direitos das gestantes estão sendo, de fato, respeitados nas empresas brasileiras?
No caso que gerou comoção nacional, uma trabalhadora de 32 anos, imigrante venezuelana e no oitavo mês de gestação, passou mal durante o expediente noturno na unidade da BRF Global, em Lucas do Rio Verde (MT), e pediu para ir ao médico. O pedido foi negado pela supervisão, sob a alegação de que “atrapalharia a linha de produção”. A funcionária entrou em trabalho de parto na portaria da empresa, sem assistência médica, e os bebês nasceram mortos. O juiz classificou a conduta da empresa como “gravíssima” e reconheceu a rescisão indireta do contrato, reforçando que houve violação flagrante de direitos fundamentais.
Apesar de choques pontuais como este gerarem repercussão, a verdade é que esse tipo de violação está longe de ser raro. Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelam que cerca de 50% das mulheres são demitidas até dois anos após o fim da licença-maternidade, sendo que uma em cada dez é desligada ainda durante o período de estabilidade garantido por lei, de 5 meses após o parto. Isso mostra que, mesmo diante de leis que deveriam proteger a mulher, a prática discriminatória persiste em larga escala.
A legislação trabalhista brasileira protege amplamente a mulher grávida, com dispositivos que buscam preservar sua saúde, segurança e estabilidade financeira durante a gestação e no período pós-parto. Um dos principais direitos é a garantia de estabilidade no emprego, que vai desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, mesmo que a empregada não tenha informado formalmente a gestação ou esteja no período de aviso prévio.
Outro ponto essencial é a proibição de gestantes em atividades insalubres ou perigosas, com obrigação do empregador de realocá-la para funções compatíveis, sem prejuízo de salário. A trabalhadora também tem direito à licença-maternidade de 120 dias, conforme determina o artigo 392 da CLT, podendo iniciar o afastamento a partir do 28º dia anterior ao parto. Para empresas aderentes ao Programa Empresa Cidadã, esse período pode ser estendido para 180 dias.
Durante a gestação, a funcionária pode se ausentar do trabalho para realizar consultas e exames médicos de pré-natal, sem que essas faltas possam ser descontadas do salário. Esse direito está garantido na CLT e qualquer tentativa de exigir compensação dessas horas ou aplicar sanções é considerada infração trabalhista.
Outro ponto que deve ter atenção, é que após o nascimento do bebê, até os seis meses de vida da criança, a mãe tem direito a dois descansos especiais de 30 minutos cada por jornada de trabalho para amamentação.
Se a descoberta da gravidez ocorrer após uma dispensa sem justa causa, e ainda dentro do período de estabilidade, a empregada tem direito à reintegração ao emprego ou à indenização correspondente ao período de estabilidade.
Em casos mais graves, como recusa de atendimento médico adequado, assédio moral durante a gestação ou violação de direitos, a empregada pode buscar a chamada rescisão indireta, com direito a todos os valores rescisórios como se tivesse sido demitida sem justa causa.
Mesmo com essas garantias, muitas mulheres seguem enfrentando discriminação velada e explícita. Pressões para pedir demissão, trocas de função sem justificativa, corte de oportunidades ou demissões disfarçadas de “reorganização interna” ainda são comuns em diversas empresas.
É o reflexo de uma cultura empresarial que, muitas vezes, vê a gestação como um problema. O medo da “baixa produtividade” ou do “custo da licença” ainda fala mais alto do que o respeito à maternidade e à vida da trabalhadora.
Ao mesmo tempo, o desconhecimento das leis e o medo de retaliação silenciam muitas denúncias. A gestante, já em uma fase de vulnerabilidade física e emocional, nem sempre se sente amparada para reagir.
Há uma necessidade gritante das empresas investirem em formação contínua das lideranças, criar protocolos claros de atendimento e acolhimento, e estabelecer um ambiente seguro, saudável e respeitoso. A proteção à gestação precisa deixar de ser uma obrigação no papel para se tornar um valor institucional.

Por Victoria Lopes – advogada especialista em Direito do Trabalho 390843 OAB/SP
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