
Há quatro anos, Rosângela Souza Nogueira, 42 anos, saiu de Rondônia com a mãe para cuidar da saúde. Em Belo Horizonte, foi diagnosticada, fez uma cirurgia da tireoide em oito dias e deu continuidade ao tratamento de uma doença renal crônica na Nefrologia do Hospital Evangélico de Belo Horizonte na Av. do Contorno, onde encontrou, além das três sessões semanais de hemodiálise, a possibilidade de realizar um sonho antigo: estudar.
“Eu estou muito animada. Em Rondônia, para fazer o EJA, eu teria que ir para outra cidade à noite. Fazendo esse tratamento que eu faço há mais de 12 anos, era um negócio inviável. Mas aqui eu tenho aulas durante as sessões de hemodiálise e nos dias alternados, tenho ido lá na Escola Municipal Caio Líbano Soares para outras aulas e também para estudar inglês, uma vontade que eu sempre tive“, conta.
Rosângela e outros 95 pacientes renais crônicos e acompanhantes são os primeiros alunos do projeto Vivendo e Aprendendo na unidade de Nefrologia do Hospital Evangélico de BH localizada na Av. do Contorno. A nova parceria com a Secretaria Municipal de Educação (SMED), por meio da Escola Municipal Caio Líbano Soares, vai levar letramento e escolarização para pessoas com idade média de 60 anos. As aulas começaram em fevereiro e todos receberam o kit de materiais escolares desenvolvido pela instituição.
Na prática, os pacientes têm atendimento pedagógico individual na cadeira, durante as sessões de hemodiálise. Já os acompanhantes – uma novidade da nova parceria – recebe os professores na área de espera.
Vivendo e Aprendendo
Vivendo e Aprendendo é uma iniciativa pioneira e inédita que nasceu em 2018, na Nefrologia do HE em Venda Nova, a partir do resultado de um questionário interno sobre as condições de vida dos pacientes. Na época, a equipe multidisciplinar detectou que muitos deles eram analfabetos ou pouco escolarizados, o que dificulta a compressão sobre a doença renal crônica e as especificidades do tratamento.
“A união entre saúde e educação é poderosa. Nesses seis anos, com a atuação dos professores da Escola Municipal Padre Marzano Matias, tivemos 140 formados no Ensino Fundamental e alcançamos 936 pacientes que frequentam a Nefrologia do HE em Venda Nova. Para a Nefrologia Contorno firmamos a parceria com a Escola Municipal Caio Líbano Soares e já começamos com um recorde de inscritos e com a inclusão dos acompanhantes dos pacientes“, comemora o superintendente executivo do HE, Perseu Perruci. Outro resultado do projeto foi a criação do modelo pedagógico aplicado nas aulas e que já foi replicado para outras unidades hospitalares da capital mineira, nos últimos dois anos.
Geraldo Gonçalves de Oliveira, 71 anos, também se inscreveu no Vivendo e Aprendendo. Junto com exames, laudos e receitas que carrega em uma pastinha, ele ainda guarda a carteirinha do Centro Estadual de Educação Continuada. “Tive que abandonar os estudos em 2011 por causa do trabalho. Esse era um dos maiores arrependimentos que eu tinha na vida, mas agora estou tendo uma nova oportunidade e vou aproveitar ao máximo“, planeja. Ele faz o tratamento de doença renal crônica há 3,5 anos.

Metodologia
Desde 1991 a Escola Municipal Caio Líbano Soares oferece a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Para o atendimento dos alunos da Nefrologia do HE na Av. Contorno, são nove especialistas que darão aulas de segunda a quinta-feira, em três turnos, acompanhando o funcionamento da clínica.
Segundo a diretora, Alessandra Romano, metodologia pedagógica do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) foi adaptada para respeitar as condições pedagógica e física dos alunos. “Trabalhamos com professores alfabetizadores e professores habilitados em disciplinas específicas. Temos também uma equipe que desenvolve projetos interdisciplinares. Utilizamos além do papel/caderno, chromebooks, tablets, etc“, explica.
Entre as atividades externas, os estudantes terão uma programação anual de passeios pela capital mineira, para que conheçam espaços públicos e pontos turísticos. “Integrar o projeto Vivendo e Aprendendo é uma oportunidade ímpar e desafiadora de aprendizado, de cidadania e de ampliação do nosso fazer pedagógico. Entendemos que a EJA é direito de todo cidadão independente da condição/situação e por isso, precisamos estar onde existe a necessidade do resgate e conclusão da escolarização“, considera.
Acompanhante da filha, Luciana, Conceição Ventura da Silva, 78 anos, gostou da ideia de voltar a estudar. Privada desse direito na infância, depois que o pai morreu e deixou a mãe com as crianças pequenas para criar, ela está se esforçando para escrever o próprio nome. “Devagarinho eu chego lá. Estudei até o 1º ano e, depois que perdi minha mãe, passei a vida pelejando e enfrentando serviços brutos e pesados porque não sabia ler e escrever“, conclui.
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